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segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Sempre fomos politicamente corretos


Conhece a última piada de Eike Batista? Seguinte: o Eike (o bilionário de tudo) e o Abílio Diniz (idem) estavam na rua, altas horas. Aí o Eike disse:

- Ô Abílio, essa é uma casa de forró. Estou doido para dançar um forró! Vamos lá!

- Mas está fechada, Eike!

- Não tem problema. Eu sou ou não sou o Eike Batista? Acorda o dono! Esse forró tem que balançar!

Você conhece essa piada? Nem eu. Nem ninguém conhece piadas sobre Eike, sobre Abílio, sobre grandes empreiteiros. Ou donos de bancos. Ou especuladores de terras. Com eles somos sempre respeitosos. Com milionários não se brinca.

Considerava que o politicamente correto, ou a restrições a piadas contra negros, deferentes, homossexuais, etc., era o fim do humor, da espontaneidade. O filósofo Renato Janine Ribeiro me fez olhar a questão de novo. Somos espontâneos em humilhar quem é fraco. Curioso, nossa espontaneidade nunca se volta para humilhar o forte. Será que nossa espontaneidade é assim tão espontânea?

O politicamente correto pode nada mais ser que a extensão ao pobre, ao negro, ao deficiente, de um direito que os poderosos sempre tiveram.

Talvez não seja algo então assim tão negativo.

(Para não deixar a piada sem final: o dono do lugar acorda, estremunhando os olhos, e informa à culta dupla que aquilo não é casa de forró, e sim uma loja de FORROS e gesso. Essa piada se contava contra dois políticos populares que se diziam de esquerda. Ninguém pensaria em direcioná-las contra dois milionários).

4 comentários:

  1. Muito bom. Lembre que algumas piadas sobre minorias acabam sendo de alguma forma elogiosas, o que reforça suas colocações, como nos caso da piada do padre do pastor e do rabino explicando como dividem o que recebem na igreja. O padre diz que desenha um círculo no chão, atira o dinheiro no círculo e o que cai dentro é da igreja e o que cai fora é dele. O pastor diz que também joga no círculo mas o que cai dentro é dele e o que cai fora é da igreja. O rabino diz, "voces complicam muito. Eu jogo para cima, o que D*us pegar é dele"

    Obviamente a piada tenta estabelecer as formas diferentes de relacionamento com o dinheiro entre as igrejas.
    Outras piadas são as do mineirinho baixinho e mirrado que é sempre um grande garanhão ou inteligente, se dando bem no final.

    Tudo isso mostra que as piadas são instrumentos discriminatórios e de poder.

    Porém devemos lembrar que em algumas culturas não só não se fazem piadas com algumas coisas, como quem faz é preso ou mesmo sentenciado a morte.

    Um abraço,
    Georges

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  2. Paulo,

    acho que virou lugar-comum criticar o politicamente correto por uma concepção errada do que o termo significa.

    O politicamente correto serve para desnaturalizar o mundo. Faz um corte, digamos, histológico no tecido social, tira de lá algumas ideias e tenta fazer as pessoas refletirem sobre elas.

    Como?

    O politicamente correto entende duas coisas. Primeiro, que discurso é poder. Segundo, que as coisas consideradas eternas e imutáveis, perfeitamente naturais, não são eternas e imutáveis, nem muito menos naturais.

    Toda a construção discursiva a cerca da realidade é feita, até hoje, por determinados grupos - que o sociólogo Norbert Elias chamou de "estabelecidos" no livro genial "Estabelecidos e Outsiders".

    Os estabelecidos criam, entre outras coisas, uma noção do que são os "outsiders", ou seja, aqueles que não fazem parte do nosso grupo, que não são o "nós". Compatível com a verdade ou não, esse discurso é mouco, porque não escuta a voz dos outsiders, nem dá chance para que eles falam por si mesmos sobre o que eles são ou fazem.

    o negro safado não podia falar por ele mesmo. A bichinha escrota não podia falar por si. A loira burra não podia falar por ela mesma. Por não terem condições materiais, esses grupos eram o que o discurso dos estabelecidos os fazia ser.

    Elias, no mesmo livro, descobriu que há dois aspectos importantes da mesma questão: (a) os outsiders, em muitos casos, chegam a assumir o discurso dos estabelecidos sobre si mesmos; e (b) não há reação possível, vindo dos outsiders, que rivalize com o discurso já criado.

    Exemplificando: perceba o que significam anos e anos falando para as meninas que elas são responsáveis do próprio estupro porque saíram de vestido curto. Todas acreditam. Inclusive reproduzem isso com muito gosto, como se fosse a mais pura obviedade. E mais: não existe "hétero nojento" nenhum que seja dito por um homossexual que ofenda tanto um hétero quanto "bichinha" pode chegar a ofender um gay.

    Agora o quadro mudou.

    Os outsiders perceberam toda essa teia complexa, se organizaram e exigem que esse instrumento de poder - e humilhação, sim - se desmonte. O embate está aí. Qual grupo quer ter seu exercício do poder ameaçado?

    Acho que o politicamente correto deu extremamente certo. Hoje em dias as pessoas se perguntam se é politicamente correto dizer certas coisas em relação às outras pessoas. E, em geral, as pessoas passam a questionar o mundo, questionar o lugar das coisas e das palavras.

    E não é maravilhoso um mundo que não é apenas reprodução, mas antes de tudo reflexão sobre si mesmo?

    Abraços festivos,

    Alan Santiago

    P.S: adorei seu blog. Vou passar mais vezes por aqui.

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  3. Valeu, amigo Georges! Também gosto dessa piada dos três sacerdotes. É ótima!

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  4. Olá Alan!
    Excelente sua resposta. Deu-me um embasamento teórico maior a coisas que apenas intuía.
    Que bom que gostou do blog. Você é o primeiro (que não seja velho amigo pessoal) a comentar nele.
    Abraços.

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