.

.
Mostrando postagens com marcador filme. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador filme. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Resenha de filme: O Anjo Embriagado, de Akira Kurosawa (1948)

Akira Kurosawa concedeu entrevista para Nagisa Oshima em 1993. Confessou-se leitor de Dostoievski. Era de se desconfiar. Filmes como esse o traem.

O Doutor Sanada bebe muito, fala duro com as pessoas, não conseguiu sucesso em sua profissão, vive numa favela de Tóquio. Não a de hoje, a de 1948, com buracos de lama podre nas ruas ainda lembrando as bombas. Atende um ferido, na verdade um jovem gângster. Esse se acha o maior – temido, pega o que quiser sem ter de pagar aos comerciantes, disputado pelas jovens que amam por dinheiro. O ferimento é à bala, mas o doutor percebe algo mais – a tuberculose rói os pulmões do bandido. O Anjo Embriagado é a narração do médico tentando salvar o corpo do bandido da doença e sua alma do banditismo.

Dostoievski quis em sua obra resolver o problema do mal. Por que alguns homens fazem o mal? Há no entanto um problema mais complexo. Por que alguns homens fazem o bem? Não é o funcionário sensível às demandas da coletividade que recebe a promoção – é o bajulador dos superiores. Não é o religioso que leva a sério os votos de pobreza que se torna bispo – é quem consegue as melhores conexões. Não é o político que diz a verdade que é eleito – é aquele que esquece as promessas no segundo seguinte à apuração. Quem deixa passar de tudo. Quem é neutro. Esses podem crescer. Por que fazer o certo, se o mal paga mais?

O jovem Joseph Ratzinger viu o mal nos olhos – o nazismo. Poderia ter tomado muitas atitudes corretas – todas com consequências bem pouco agradáveis. Podia, para começar, ter-se recusado a jurar lealdade a Hitler. Para continuar, podia ter se recusado a ser membro de uma organização nazista. Para terminar, poderia ter escrito, gritado, esperneado, não ao nazismo.

Aham. Preferiu assobiar, olhar de lado, fingir que aquele sofrimento (dos outros) não era com ele, deixando estar para ver como é que ficava. Deu-se bem. Depois que os aliados se tornaram donos de tudo, ele revelou ser um ardente combatente antinazista no seu coração – só no seu coração, diga-se, pois seus braços e pernas faziam tudo o que os tenentes e majores nazistas mandavam. O resto todos sabem. Happy End.

O Doutor do filme de Kurosawa faz o bem. Não é melífluo, não justifica, não tem discursos bonitos. Ele faz. Essa falta de discurso é ponto fraco dos (poucos) que fazem o bem de verdade. E quem não o faz justifica seu não-fazer magnificamente.

Kurosawa revelou neste filme seus principais atores. Toshiro Mifune, o gângster, depois personificaria o samurai brincalhão de Os Sete Samurais e o saltimbanco e justiceiro de Yojimbo, o Guarda-costas e Sanjuro. Takashi Shimura, o doutor Sanada, depois faria o velho burocrata de Viver e o galante líder dos guerreiros em Os Sete Samurais. Uma brilhante geração artística japonesa se uniu nesta película.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

A música segundo Tom Jobim - resenha

A obra de arte assusta, especialmente quando respaldada em um nome sagrado como Nélson Pereira. Ou melhor, eu me sinto pequeno diante dela – acho que me falta algo – linguagem, conhecimento, algo.

No entanto o famoso crítico Rubens Ewald Filho me animou a escrever. Sem se preocupar com legitimações ou abordagens, ele escreveu o que eu sentia mas não tinha coragem de dizer: o fato de a dupla de diretores ter optado por não dar nenhuma informação rouba um bocado do valor cultural do filme. Louco por datas como sou, fiquei o tempo todo tentando calcular quando o artista havia nascido – chutei em 1928, o que bateu na trave – foi em 27. Outro passatempo ao qual o filme obriga o espectador é ao de ficar adivinhando quem são os cantores/as. Alguns dá para saber, mas a maioria, principalmente os estrangeiros, passam longe.

Resta a música, como era o propósito declarado dos diretores. Na verdade não só ela, pois há o visual. O filme prescinde da linguagem falada.

Até que ponto ela importa? Wittgenstein no aforismo 5.6 do Tratado Lógico-Filosófico afirma que os limites da minha linguagem são os limites do meu mundo. Os diretores parecem ter presumido que o espectador teria já um bocado de linguagem para elaborar o conteúdo do filme – que ele sabia sobre a época de Tom, quem foram Juscelino e Vinicius, ou Frank Sinatra, o que a Bossa Nova fez e significou. Para esses, o filme faz muito sentido, é perceptível dentro de seu mundo.

Para quem não tenha tais informações, muito pode passar em branco.