Alguém entra numa sala escura.
Cadeiras, expectativa, uma tela. Em cima, um sujeito, às vezes dois, dedilham
computadores. O público se senta. Os caras apertam alguns botões e a luz inunda
a tela enquanto um som faz o mesmo com todo o ambiente. Figuras geométricas se
re-formam e derretem na tela, realizam uma não-dança ao som de música de sintetizador.
Em minutos acaba. Pode-se vê-la também em canais como Youtube e Vimeo. É a
performance Audiovisual (PAv).
Isso é arte?
Vejamos só um aspecto dessa
questão complicada.
Harold Osborne em incisivas e
informativas meia dúzia de páginas do seu Aesthetics
and Art Theory estabelece as bases do que chama de atitude desinteressada em arte. Para ele, cava-se muito para
atingir as fundações dessa noção: ela vem de uma reação ao egoísmo inteligente de Thomas Hobbes, para o qual a moral não passa
de um egoísmo esclarecido. O inglês Lorde Shaftesbury foi o grande nome da
estética pré-Kantiana. Ele investiu furioso contra tal noção. Para ele, a virtude
e a bondade devem ser necessariamente desinteressadas, senão destituídas de
valor seriam. (Deixamos de lado o debate entre jansenistas e jesuítas sobre se o
amor a Deus deve vir Dele mesmo ou alimentado pelo medo do Inferno).
Espalhada para o campo da arte, a
noção de desinteresse fecha belamente com um fenômeno que hoje sabemos que
ocorria pesado na época: a autonomização da obra de arte. Esta se deligava de
suas origens ritualísticas e quase sempre religiosas e passava a ser vista como
autônoma, com leis próprias. Uma pintura de uma tempestade destruidora podia
ser bela, e um quadro sobre o ato de piedade de algum santo podia ser feia – as
leis de apreciação da arte passavam a ser outras que não o seu objeto.
O julgamento da obra de arte
começava então pela atitude: a atitude
desinteressada. O espectador tinha de estar desinteressado na obra. O
julgamento de um homem jovem sobre a fotografia de uma jovem nua não seria
válido – pois os seus instintos poluiriam a sua apreciação, que seria não-interessada.
Nesse tipo de obra, a apreciação de outra mulher seria mais válida – desde que
não poluída por outro interesse, a inveja. Kant colocou essa noção de desinteresse
como pedra de toque de sua estética.
A evolução da ideia de
desinteresse desaguou em meados nos anos sessenta na teoria da obra de arte
como suscitando a experiência do presente. Um dos autores mais didáticos dessa
tendência é o sociólogo marxista polonês Stanislaw Ossowski. Estamos sempre
preocupados. O passado nos puxa, o futuro nos avassala. É difícil estarmos no
agora-e-aqui. A Arte faz isso. Contemplamos desinteressadamente a obra de arte –
e essa contemplação esmaga o passado e o futuro e suprematiza o presente puro.
Essa é a obra de arte.
A PAv radicaliza a ideia de atenção
desinteressada. Seus sons não são carregados de uma simbologia não-artística:
não são hinos de batalha, religiosos ou de rebeldia. Suas imagens são
geométricas, um abstracionismo em movimento que repele toda narratividade. Mesmo
nas poucas PAv em que há uso de imagens aspas reais aspas, estas são deslocadas
e estetizadas. A contemplação do espectador da PAv é pura, ou desinteressada. A
sala escura ajuda a imersão total. Esta e a pequena duração da maioria das PAvs
faz com que esta se torne uma experiência de presente puro. Durante aqueles
minutos, não há rancores nem expectativas – só a tela e o som e o momento
presente, que já passou, de tão rápido.
A PAV é o resultado não só de
longa evolução no campo da tecnologia como no campo da estética, desde filósofos
do século XVIII até a radicalização do presente. A radicalização do presente –
e até essa repetição típica da PAv torna a ideia mais vívida, como a PAv faz
com o momento já e já.
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