Cercada de gente, Barbara vive
só. Iceberg humano, no sentido do ocultamento, quase toda sua vida [aliás a
parte mais interessante dela] vive-a Barbara debaixo da superfície social
visível. Não que sua vida pública seja desinteressante. Filha do poderoso
Comissário de Polícia, o Chefe da Guarda e o Herói da Cidade a tratam por você.
E seu emprego de bibliotecária lhe dá certo status. Proverbial boa menina, usa
vestidos até os joelhos, tem o cabelo eternamente preso e nem sonharia em fazer
coisas feias com o namorado - que, aliás, não tem.
Isso até a porta de seu quarto.
Divide-o com um canário verde chamado Charlie, uma previsível cama de solteira
e um móvel para se pentear – móvel este que a um toque secreto gira sobre seu
eixo fazendo aparecer outra penteadeira, esta com uma peruca alourada, uma
fantasia com capa de nylon e tendo escondida por perto uma moto – aliás uma Batgirl-Cycle. Barbara Gordon então se
transforma em heroína sem nome, conhecida pelo apelido de Mulher-Morcego, Batgirl, a qual teve sua melhor
interpretação no seriado Batman dos
anos sessenta.
Hegel escreveu sobre o desejo. Ou
melhor, no amontoado de frases muitas sábias e muitas ininteligíveis que
constituem sua filosofia pode-se encontrar ideias sobre tal. Para ele, o desejo
mata. Eu desejo a laranja. Esmago-a com meus dentes, espedaço com minhas mãos,
faço-a descer aos bocados pela garganta. Ao final não há mais laranja. O
bancário deseja a stripper,
fascinante sob as luzes. Casa-se com ela. Convivem. Depositam as escovas de
dentes no mesmo copo. Stripper não há
mais. O desejo, satisfeito, a destruiu.
E Desejo Insatisfeito se torna
expressão chave. Batgirl circula em
fantasia de plástico que cola em cada curva de seu corpo. E o cinto que não
segura nada, apenas repousa sobre os quadris, enfatiza ainda mais suas formas
intensamente femininas.
Formas essas bem visíveis quando
aparece de surpresa e põe as mãos fechadas nas laterais do corpo, em postura
mista de desafio e exibição – Vejam, esse
é meu corpo, eu inteira. Aparece quando quer, some quando deseja. Ao
contrário de seu mentor e ídolo Batman, não está ligada por um Bat-fone ao
gabinete do Comissário. Sequer permanece para cumprimentos após derrotar os
malfeitores.
A leveza da Batgirl ou a sua
capacidade de permanecer sempre no limite das situações sem nunca penetrar a
fundo nelas fecha com a solidão fundamental da heroína – que para conversar de
verdade só dispõe afinal do canarinho Charlie. Sua relação com os homens de sua
vida se dá pela incompletude: seu pai não reconhece os olhos da própria filha; Robin
a vê como a companheirinha de lutas que sempre sai cedo da festa; quanto a
Batman, sua ligação com a pupila sintetiza o total desejo - e a dubiedade que o
caracteriza quando se teme o seu fim. Batman não poderia namorar Batgirl – ela
deixaria de sê-lo.
E se recolhe Barbara a seu quarto
de boa moça – ressurgindo sempre no próximo episódio Batgirl, roupa colada e capa voante, desejo sem término.
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