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segunda-feira, 27 de agosto de 2018

Batgirl, ou da Natureza do Desejo


Cercada de gente, Barbara vive só. Iceberg humano, no sentido do ocultamento, quase toda sua vida [aliás a parte mais interessante dela] vive-a Barbara debaixo da superfície social visível. Não que sua vida pública seja desinteressante. Filha do poderoso Comissário de Polícia, o Chefe da Guarda e o Herói da Cidade a tratam por você. E seu emprego de bibliotecária lhe dá certo status. Proverbial boa menina, usa vestidos até os joelhos, tem o cabelo eternamente preso e nem sonharia em fazer coisas feias com o namorado - que, aliás, não tem.

Isso até a porta de seu quarto. Divide-o com um canário verde chamado Charlie, uma previsível cama de solteira e um móvel para se pentear – móvel este que a um toque secreto gira sobre seu eixo fazendo aparecer outra penteadeira, esta com uma peruca alourada, uma fantasia com capa de nylon e tendo escondida por perto uma moto – aliás uma Batgirl-Cycle. Barbara Gordon então se transforma em heroína sem nome, conhecida pelo apelido de Mulher-Morcego, Batgirl, a qual teve sua melhor interpretação no seriado Batman dos anos sessenta.

Hegel escreveu sobre o desejo. Ou melhor, no amontoado de frases muitas sábias e muitas ininteligíveis que constituem sua filosofia pode-se encontrar ideias sobre tal. Para ele, o desejo mata. Eu desejo a laranja. Esmago-a com meus dentes, espedaço com minhas mãos, faço-a descer aos bocados pela garganta. Ao final não há mais laranja. O bancário deseja a stripper, fascinante sob as luzes. Casa-se com ela. Convivem. Depositam as escovas de dentes no mesmo copo. Stripper não há mais. O desejo, satisfeito, a destruiu.

E Desejo Insatisfeito se torna expressão chave. Batgirl circula em fantasia de plástico que cola em cada curva de seu corpo. E o cinto que não segura nada, apenas repousa sobre os quadris, enfatiza ainda mais suas formas intensamente femininas.

Formas essas bem visíveis quando aparece de surpresa e põe as mãos fechadas nas laterais do corpo, em postura mista de desafio e exibição – Vejam, esse é meu corpo, eu inteira. Aparece quando quer, some quando deseja. Ao contrário de seu mentor e ídolo Batman, não está ligada por um Bat-fone ao gabinete do Comissário. Sequer permanece para cumprimentos após derrotar os malfeitores.

A leveza da Batgirl ou a sua capacidade de permanecer sempre no limite das situações sem nunca penetrar a fundo nelas fecha com a solidão fundamental da heroína – que para conversar de verdade só dispõe afinal do canarinho Charlie. Sua relação com os homens de sua vida se dá pela incompletude: seu pai não reconhece os olhos da própria filha; Robin a vê como a companheirinha de lutas que sempre sai cedo da festa; quanto a Batman, sua ligação com a pupila sintetiza o total desejo - e a dubiedade que o caracteriza quando se teme o seu fim. Batman não poderia namorar Batgirl – ela deixaria de sê-lo.

E se recolhe Barbara a seu quarto de boa moça – ressurgindo sempre no próximo episódio Batgirl, roupa colada e capa voante, desejo sem término.

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