Jorge Frederico Guilherme, bem,
não se pode dizer que fosse um fadado ao sucesso. Aos catorze teve sua primeira
(intensa e babosa) admiradora. Pena que fosse sua irmã. Aos vinte na faculdade
não passava de mediano – só estudava o que queria, danassem-se os mestres e as
notas. Aos trinta conseguiu uma péssima cadeira na faculdade, na qual recebia
pelo número de alunos – e bem poucos aguentavam suas aulas. Tangido por um exército
inimigo que invadiu sua cidade, em 1806 correu estufando os bolsos com os
papéis de a Fenomenologia do Espírito, sua
primeira e quase ilível obra. Bem tarde,
bem a resvalar na velhice veio a glória – reis, alunos e mulheres o babavam.
Muito homenageado, pouco lido, menos ainda entendido mas com uma importância
que evoluía ao quadrado da complexidade de suas ideias, agora ele não era nem
Jorge, nem Frederico, nem Guilherme, mas o chamavam por seu sobrenome, Hegel.
Como disse um vídeo feito por
alguém que não gostava dele (Hegel in 90
minutes), ele é um oceano. Muitos nele mergulharam. Alguns saíram
nacionalistas empedernidos. Outros saíram marxistas revolucionários. Outros
nunca saíram – esses são os hegelianos.
Hegel demoliu pirâmides
aparentemente sólidas do pensamento. É o filósofo do self. Simplicidade em si: o ser humano tem autoconsciência, sabe que
é, que existe e se vê como em um espelho. Esta consciência de si, no entanto,
não se adquire na relação com os objetos. A relação com objetos tem um darker side: começa como desejo, a
satisfação de necessidades. E o desejo destrói o objeto desejado. Exemplo mais tétrico:
o menino quer o bolo, o menino come o bolo, o bolo não é mais. Exemplo menos
tétrico: o bancário casa com a stripper
e descobre que ela, de camisola branca sem as luzes e o pole dancing, não é ela. Ou é mais tétrico, talvez.
O self no entanto descobre que não é só – há outros selves. Pulo do gato hegeliano: é nessa
relação entre selves que se dá a consciência
de si. O self adquire sua consciência
pela participação em um mundo público, ou no linguajar hegeliano, em um mundo
espiritual. A comunicação não consiste em um processo psicológico, mas
histórico e político. E mais que isso: o conceito supremo da filosofia
hegeliana, o Espírito (Geist). Este é
o rendez-vous dos selves, o seu encontro. Existe em comunidade.
A consciência não é um processo solitário. Quando penso, penso com o outro, com
minha época, com minhas circunstâncias e os programas Reality-show que vejo ou vomito. Isso tem permeado o pensamento há
um bom par de séculos.
Esta descoberta empurrou a
filosofia, a psicologia e práticas conexas a direções fascinantes que não cabe detalhar
aqui. Mas o direito autoral namora o sentido oposto. O não-dito (que é mais forte que o dito) de certos discursos em favor
da cobrança e patenteamento generalizados é a ideia do eu sozinho, frente ao
objeto, criando a ideia, que é dele, só dele, e a ele cabe decidir o que fazer
com ela. O eu que cria só. O eu (às vezes eufemizado como artista) do direito
autoral não é um self imerso em sua
época, nas ideias que recebeu e que socialmente as recombina. Ele é um criador,
coisa que o self nunca é – este é um
construtor social de consciência, a própria e por tabela a dos outros. Isso se
revela nos discursos nos quais se fala de proteger
o criador. Proteger do quê? Ato falho, esse discurso revela uma implícita
oposição criador versus sociedade. Aquele tem sua propriedade, esta pode
roubá-la, aquele nada deve a esta.
Filosofia não envolve tudo. Nem
mesmo o começo. A economia, a prata no bolso, berra alto. Mas é interessante
como a filosofia e os interesses seguem caminhos opostos. Para aquela, a de
Hegel, que puxa o pensamento atual, o self
não é eu porém nós, pensa com sua época e por isso pode ser relevante –
ajudar a transformá-la. Para o direito autoral, há o eu que cria a partir de si
mesmo, e a sociedade se plasma em um envoltório, às vezes hostil.
Bibliografia básica - recomendo
baixar:
Hegel´s Aesthetics – Lectures on
Fine Art - http://archive.org/details/HegelsAesthetics
- Pesado e saboroso como feijoada;
Hegel´s Aesthetics: a critical exposition, by John
Steinfort Kedney. - http://archive.org/details/hegelsaesthetics00kednuoft
- Boa introdução à obra acima. Só tem o
problema de Mr. Kedney, entre colchetes, colocar sua opinião pessoal onde a
mesma não é solicitada;
The Root of Humanity: Hegel on Language and
Communication, by John Durham Peters. - http://ir.uiowa.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1012&context=commstud_pubs
– Breve e bom estudo desse professor da Universidade de Iowa.
(Todos os direitos liberados. Mas
quem colocar um link para o blog ganha um Pai-Nosso.)
Paulo, muito bom artigo! No final corrija versos por versus. Fiquei com vontade de voltar a Hegel que sempre me pareceu chato.
ResponderExcluirUm abraço,
Georges
Grande Georges! Já corrigi o que o corretor de texto tinha descorrigido... E o homem é denso mesmo, bem filósofo alemão!
ResponderExcluirAbraço,
Paulo