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sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Modelos são bonitas?


Bündchen, Birkheuer, Hickmann, Zimmermann – o filósofo Macaco Simão diz que vendo os nomes das modelos brasileiras parece o que o país foi colonizado pelos vikings. Mas não foram os nomes germanizados que me fizeram lembrar outro alemão, tão branco e de olhos azuis como as estimadas senhoras acima listadas, mas com outras preocupações.

Jorge Guilherme Frederico Hegel ao escrever sobre o também germaníssimo João Cristóvão Frederico Schiller citou um poema deste que em um verso menciona o tranquilo reino-das-sombras da beleza. Fazia a distinção entre o mundo Ideal e o mundo Real – na verdade um estranho e necessário pulo dentro de sua acrobática filosofia englobante de (quase) tudo. Pra Hegel, a beleza consiste na objetivação do Ideal – e o Ideal não existe no mundo que nós vemos e ouvimos e cheiramos e mordemos, o impropriamente denominado “mundo real” com direito a muitas aspas.

O “real” oculta o verdadeiro real – ou ao menos não consiste nele. E nós humanos, selves, somos sedentos de real, pois só nele criamos uma consciência de nós mesmos. Há três formas de atingir o real – a religião, a filosofia e a que nos interessa aqui – a arte. A arte envolve a questão do belo. E o belo envolve o quê?

Envolve uma relação entre sujeito e o objeto. Um adolescente cheio de hormônios e uma dessas modelos brasileiro-alemoas, por exemplo. O sujeito pode tentar contatar o objeto pela teoria. (Meio inverossímil dentro desse exemplo, mas vá). Há problema: para entender o real, o sujeito deve despir-se de si mesmo e seguir dócil o objeto – perder sua liberdade, por assim dizer. É o objeto que prepondera. Ou o sujeito pode usar o objeto para seus fins. Nesse caso, o pobre objeto perde sua liberdade.

Sempre alguém ou algo se dará mal. Há uma forma de se superar isso – pelo objeto belo. Ele objetiva o Ideal  - e com isso escapa da armadilha uso-ou-sou-usado. E é livre de qualquer necessidade de agradar. O belo é livre – talvez seja o único verdadeiramente livre. Não depende de ninguém, não existe para satisfazer a ninguém.

E as distintas senhoras citadas no começo e as milhões de meninas que disputam seu espaço e que o tomarão, cedo ou tarde, pois o tempo passa? Vejamos. Em cada uma, em toda e cada dessas modelos uma urgência impera – a de agradar. Uma modelo precisa ser desejada-e-invejada. A indiferença é um veneno antimodelo. Pode-se dizer tudo de uma modelo – menos que ela é indiferente. Tudo nelas é para-o-outro: cabelos, chapinhas, bermudas, poses, iluminação, photoshop e remédios para emagrecer. A roupas mudam, os corpos mudam – o silicone faz isso – tudo visa a atrair o outro.

Então as modelos não são bonitas? Bem, elas não são o Ideal na externalidade. Ao não sê-lo, não são objetos belos, sem desconsideração. São o quê? Objetos utilitários, talvez. Ou com certeza. Visam a vender, promover, excitar e provocar inveja, na ordem ou não. Hegel não as conheceu. O desafio de entendê-las (e a nós) cabe a nós mesmos, selves de hoje.

A ler:
Hegel´s Aesthetics – Lectures on Fine Art - http://archive.org/details/HegelsAesthetics
Na foto de capa – Letícia Birkheuer

terça-feira, 27 de novembro de 2012

A falsa originalidade do eu inexistente



Jorge Frederico Guilherme, bem, não se pode dizer que fosse um fadado ao sucesso. Aos catorze teve sua primeira (intensa e babosa) admiradora. Pena que fosse sua irmã. Aos vinte na faculdade não passava de mediano – só estudava o que queria, danassem-se os mestres e as notas. Aos trinta conseguiu uma péssima cadeira na faculdade, na qual recebia pelo número de alunos – e bem poucos aguentavam suas aulas. Tangido por um exército inimigo que invadiu sua cidade, em 1806 correu estufando os bolsos com os papéis de a Fenomenologia do Espírito, sua primeira e quase ilível obra.  Bem tarde, bem a resvalar na velhice veio a glória – reis, alunos e mulheres o babavam. Muito homenageado, pouco lido, menos ainda entendido mas com uma importância que evoluía ao quadrado da complexidade de suas ideias, agora ele não era nem Jorge, nem Frederico, nem Guilherme, mas o chamavam por seu sobrenome, Hegel.

Como disse um vídeo feito por alguém que não gostava dele (Hegel in 90 minutes), ele é um oceano. Muitos nele mergulharam. Alguns saíram nacionalistas empedernidos. Outros saíram marxistas revolucionários. Outros nunca saíram – esses são os hegelianos.
Hegel demoliu pirâmides aparentemente sólidas do pensamento. É o filósofo do self. Simplicidade em si: o ser humano tem autoconsciência, sabe que é, que existe e se vê como em um espelho. Esta consciência de si, no entanto, não se adquire na relação com os objetos. A relação com objetos tem um darker side: começa como desejo, a satisfação de necessidades. E o desejo destrói o objeto desejado. Exemplo mais tétrico: o menino quer o bolo, o menino come o bolo, o bolo não é mais. Exemplo menos tétrico: o bancário casa com a stripper e descobre que ela, de camisola branca sem as luzes e o pole dancing, não é ela. Ou é mais tétrico, talvez.

O self no entanto descobre que não é só – há outros selves. Pulo do gato hegeliano: é nessa relação entre selves que se dá a consciência de si. O self adquire sua consciência pela participação em um mundo público, ou no linguajar hegeliano, em um mundo espiritual. A comunicação não consiste em um processo psicológico, mas histórico e político. E mais que isso: o conceito supremo da filosofia hegeliana, o Espírito (Geist). Este é o rendez-vous dos selves, o seu encontro. Existe em comunidade. A consciência não é um processo solitário. Quando penso, penso com o outro, com minha época, com minhas circunstâncias e os programas Reality-show que vejo ou vomito. Isso tem permeado o pensamento há um bom par de séculos.

Esta descoberta empurrou a filosofia, a psicologia e práticas conexas a direções fascinantes que não cabe detalhar aqui. Mas o direito autoral namora o sentido oposto. O não-dito (que é mais forte que o dito) de certos discursos em favor da cobrança e patenteamento generalizados é a ideia do eu sozinho, frente ao objeto, criando a ideia, que é dele, só dele, e a ele cabe decidir o que fazer com ela. O eu que cria só. O eu (às vezes eufemizado como artista) do direito autoral não é um self imerso em sua época, nas ideias que recebeu e que socialmente as recombina. Ele é um criador, coisa que o self nunca é – este é um construtor social de consciência, a própria e por tabela a dos outros. Isso se revela nos discursos nos quais se fala de proteger o criador. Proteger do quê? Ato falho, esse discurso revela uma implícita oposição criador versus sociedade. Aquele tem sua propriedade, esta pode roubá-la, aquele nada deve a esta.

Filosofia não envolve tudo. Nem mesmo o começo. A economia, a prata no bolso, berra alto. Mas é interessante como a filosofia e os interesses seguem caminhos opostos. Para aquela, a de Hegel, que puxa o pensamento atual, o self não é eu porém nós, pensa com sua época e por isso pode ser relevante – ajudar a transformá-la. Para o direito autoral, há o eu que cria a partir de si mesmo, e a sociedade se plasma em um envoltório, às vezes hostil.

Bibliografia básica - recomendo baixar:
Hegel´s Aesthetics – Lectures on Fine Art - http://archive.org/details/HegelsAesthetics - Pesado e saboroso como feijoada;
Hegel´s Aesthetics: a critical exposition, by John Steinfort Kedney. - http://archive.org/details/hegelsaesthetics00kednuoft  - Boa introdução à obra acima. Só tem o problema de Mr. Kedney, entre colchetes, colocar sua opinião pessoal onde a mesma não é solicitada;
The Root of Humanity: Hegel on Language and Communication, by John Durham Peters. - http://ir.uiowa.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1012&context=commstud_pubs – Breve e bom estudo desse professor da Universidade de Iowa.
(Todos os direitos liberados. Mas quem colocar um link para o blog ganha um Pai-Nosso.)

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Apontamentos para uma impossível história do Caos - IX


Descartes e a impossibilidade do Caos

Difícil imaginar um ser humano menos caótico que o baronete Renato Descartes nascido em La Haye em 1596 e falecido apenas cinquenta e quatro anos depois. Seus livros, as Regras para a direção da mente, o Discurso do Método, são claros, lógicos, gostosos de ler, copos d´água límpida. E talvez como consequência, são curtos.

Neste mundopensamento de lógicas o Caos entrou de forma talvez previsivelmente enviesada. No capítulo V de O Discurso do Método Descartes se referiu a um outro livro seu – o pretensiosamente denominado  O Mundo. Na verdade referiu-se sem nem mesmo informar seu título – O Mundo não tinha sido publicado pelo temor que Descartes tinha da Inquisição. Ele soubera do julgamento de Galileu e partilhava com este a pouca disposição em se tornar churrasquinho.

O Mundo resolve o problema do caos na prática negando sua existência. Parte do pressuposto de que existem leis da natureza, por Deus criadas. Então formula a hipótese se Deus tivesse criados todas as coisas misturadas e as jogado no mundo. As próprias leis fariam com que as águas se juntassem em certos lugares, os planetas se formassem – e tudo seria exatamente como é hoje.

O Caos cartesiano sofre portanto a doença da sua impossibilidade. Claro, o francês estava totalmente imerso em um mundo histórico, tendo em vista que o cristianismo é em sua essência histórico, com começo na Criação Divina e um final no Julgamento. A existência de um Caos sequer era uma possibilidade para ele, como o era para as Cosmogonias primitivas.

O Terror da possível inexistência do Cosmos inexiste para Descartes. Para ele o Universo existe, existe tal como é, e é inevitável que exista desse modo. Um pensamento desconfortável para quem não aprecia o mundo como o é. Mas que não deixa de ser tranquilizador.