Louis
Jacques Mandé Daguerre fotografou a si
mesmo naquele 8 de julho de 1835
[era sete da manhã quando começou –
os sais demoravam muito naquele tempo – e uma neblina descia sobre Paris dando um
sombrio tom azul a tudo – acentuado pela
chapa química].
Louis
Jacques Mandé Daguerre vivia seus sólidos quarenta
– e não via muito graça no tudo nem no nada. Ser o ser, achava-se cego [como Tirésias] – e, como ele, queria
enxergar – e cria que aquela máquina o faria ver mais que os outros homens. [Mais
que orgulho, tinha gula – de paisagens, emoções,
laços de fita – que de alguma forma prenderia a si mais que em mera recordação].
Ao
revelar a chapa viu [entre um banal jarro de imitação grego e uma planta feia]
um outro homem – não a si mesmo. O espectro [não merecia nome melhor] tinha um
semblante de quase soberba autopiedade
[como quem não atingirá nunca o Nirvana, e se orgulha de não o fazer].
Louis
Jacques Mandé Daguerre [as unhas roídas de cristais de prata e os cabelos que
começavam a contaminar-se da mesma cor] contemplou o homem [que não o
contemplava – e que também tinha seus quarenta – e o cabelo embranquecendo]. Entristeceu-se – não pelo seu invento
revelar pouco, mas por revelar demais – e decidiu concentrar-se em jardins e
fotos posadas – para não fotografar nenhuma alma [o que quer que fosse isso]
como acabara de fazer com a própria.
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