Shakespeare
[dizem] não sabia quem era. Nem John D. Horner, que deu entrada no Sanatório de
Lower Norwood no dia dois de agosto de 1939
pretendendo ser um certo príncipe dinamarquês que hesitava entre matar ou não o
tio [e recitando uma língua ininteligível que (depois se descobriu) era o monólogo
de Hamlet de trás para diante]. De fato o
tal jovem homem [que parecia nunca saber que horas eram] às
vezes dizia amar uma moça de família inimiga da sua; ou então afirmava ser uma mulher
que ajudara seu marido a eliminar o rei para empalmar o trono; noutras ocasiões,
fazia discursos a César esfaqueado.
Tal [excesso de] teatralidade terminou por tornar
impossível – não a sua vida, que parecia muito bem – mas a de esposa, vizinhos
e colegas, que o socaram na instituição. De fato [e parafraseando outra vez] não
faltava método em sua loucura: nas peças que recitava [ou vivia] mencionava
sempre detalhes ou cenários de cor branca
[a cor (pensaram) dos hospitais ou sanatórios]; mesmo que em Londres imperasse
um [raro] sol
lancinante, preferia os trechos que se passam na penumbra; um temor [tão vago que parecia
se algo que nunca ocorreu] atormentava todos os seus heróis e heroínas. Não
obstante [segundo os médicos e enfermeiras que o atenderam] em sua representação
semelhava o deus Thor em overdose de orgulho em mistura com receio.
A versão de que morreu em um bombardeio alemão parece
demasiado shakespeariana para ser levada a sério.
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