Os relógios precedem Descartes. [Seria (no entanto)
exagerado dizer (como querem alguns) que o grande relógio de Kashmir precede
todo o Tempo – pois o mesmo só existe desde anos 700 ou 800, segundo as menos piores
estimativas]. Dele restava apenas [em 1899, quando sobre ele se falou pela última
vez] uma pintura [de detalhes (quase)
criminosamente explícitos e uma (esmaecida) cor verde,
apesar da neve que, de maneira pouco
esperável, o circundava].
Único no mundo, o relógio de Kashmir não tinha números – de
fato, os períodos passados se dividiam em pequeno período, grande salto e você está depois do tempo
[este último de interpretação assaz complexa].
O povo que se regulava por ele [o talvez mítico povo Kashmir] o temia mais que respeitava –
de fato, o passar dos ponteiros os enchia de um terror cuja explicação desafia antropólogos.
[Sendo que a melhor versão, talvez incorreta, era de que se sentiam criticados, não pelo tempo que
desperdiçavam, como os ocidentais, mas pelo que aproveitavam – o que quer que
isso quisesse dizer].
De fato o grande relógio [que não era (em verdade) assim tão
grande] assumia o papel de um conjurador que trazia as coisas da vida, abundantemente,
sem nenhuma avareza, até as desgraças –
como um Édipo de peças de metal e sem
nenhum esforço para evitar gregas tragédias.
Nenhum comentário:
Postar um comentário