Eva, a primeira
mulher do Estado
ORTIZ, Alicia Dujovne. Eva
Perón, la biografia. Buenos Aires: Suma
de Letras Argentina, 2002. 510p.
Eva Duarte nasceu em 1919 em uma
Argentina que, como ela, regurgitava de contradições. Pobre em um país de alta
renda per capita, sem muita comida em uma sociedade que transbordava trigo e
carne, discriminada em um Estado nominalmente democrático: escarneciam dela
porque seus pais nunca se tinham casado. Viveria pouco mais de três décadas:
curto tempo em que ela ajudaria a transformar a nação.
A jornalista argentina radicada na França Alícia Dujovne
Ortiz procura equilibrar a narrativa de Eva mulher com a política, e quase
sempre o consegue. Eva Duarte vem a Buenos Aires nos anos 30 em busca de
sucesso. Capital que vivia a década
infame, de regressão econômica e governos pouco efetivos, ao final dos
quais algumas patentes do exército fãs do fascismo se uniram para mudar o
estado de coisas, talvez pela força. Enquanto isso Eva canta e representa no
rádio com sua voz pouco mais que medíocre.
Sua vida e a Argentina mudam quando o Grupo de Oficiais Unidos derruba o governo em 1943, e um coronel
viúvo e boxeador chamado Juan Domingo Perón recebe o então pouco importante
Ministério do Trabalho. Um evento de caridade une o militar e a atriz de
segunda.
Eva, já então Perón, aos poucos percebe a força da máquina
sindical. A Argentina se transformara: uma multidão vinda das províncias se
acumulava na capital, onde prosperava uma indústria protegida pelas crises e
guerras europeias. Mas não só Eva. Os oficiais do exército, assustados com seu
Ministro, derrubam-no e o prendem. Pressionados pelos sindicatos, têm de
soltá-lo. Ele fez o seu primeiro discurso importante e fundou o movimento que
ainda hoje prevalece no segundo maior país do continente: o Peronismo.
Juan já eleito presidente, Eva se faz primeira-dama. Diferente
das predecessoras, mistura-se com o povo. Atende os pobres, fala com eles,
dá-lhes bolas de futebol, remédios contra urticária e vestidos. Em pouco não é
mais Eva Perón: tornara-se Evita, a mãe dos descamisados, cuja vontade de poder
só não era maior que a veneração por seu marido.
O livro descreve um Estado em desenvolvimento e mais do
que isso, a criação de uma forma de ser Estado. O Peronismo representa uma
forma de poder pelo contato direto entre o grande líder e os governados.
Desconfia da mediação de sindicatos e partidos, mais manipulados pelo líder que
propriamente respeitados. Evita representa plenamente esta tendência: seu
contato é maternal, face-a-face. Claro que cobra um preço: a obra revela
negócios bem pouco honrosos, inclusive com proteção de foragidos nazistas. Esse
lado negativo foi esquecido: a morte prematura em 1952 congelou o sorriso de
Evita no imaginário do povo.
Acusa-se o Papa Francisco de peronismo. Tem algum sentido:
certo desvio da burocracia vaticana e os gestos diretos para a massa de fiéis
lembram o movimento argentino. Se assim for, o peronismo de certa forma atingiu
o mundo. Evita, a menina pobre tornada rica e protetora dos que permaneceram
pobres, ajudou a fazer do peronismo aquilo que ele é.
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