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E abrirei a minha boca em parábolas; e anunciarei as coisas que estão
escondidas desde a fundação do Mundo – esse trecho do Evangelho de Mateus (13,35)
inspirou a obra do antropólogo francês René Girard Des Choses cachées depuis la Fondation du Monde (Paris, Bernard
Grasset, com tradução em português pela Paz e Terra).
Em uma sociedade primitiva a
violência se espalha por puro instinto de imitação – uns fazem mal aos outros
porque outros já lhes fizeram mal antes e segue em mecanismo autoperpetuante. Só
há uma forma de quebrar isso: escolhe-se uma vítima, concentra-se nela todo o
mal da comunidade e ela é então abatida. Tal sacrifício se repete via rituais,
geralmente substituindo-se a vítima humana por um animal. Faz-se a paz. São os
mecanismos da rivalidade mimética e
do bode expiatório.
Perturbam, certamente, as
semelhanças com as liturgias de sacrifício nas igrejas cristãs, mas o foco aqui
não é esse. O antropólogo nos lembra as dificuldades inerentes a manter o
mínimo de não-violência em grupamentos sem autoridade. Estamos acostumados a
ter polícia, juízes, fiscais. Mas nada disso é natural. Nós nos queixamos [às
vezes com razão] de essas pessoas não cumprirem a contento seu trabalho.
A alternativa à autoridade
central, no entanto, é a violência mimética: uma violência automultiplicadora,
em eterna propagação. A forma que as sociedades sem Estado tiveram para quebrar
essa engrenagem destrutiva foi o bode expiatório.

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