Periodicamente surgem os
inevitáveis debates quanto à nomeação de um novo Ministro no Tribunal de Contas
da União.
Certo político, digamos, é
candidato. Rapidamente os meios de comunicação informam que ele responde a
vários inquéritos ou processos referentes a probidade administrativa.
A Tese
Uma corrente de pensamento afirma
que não há como se opor à tal nomeação, pois tais processos ainda não teriam
transitado em julgado, e, pelo princípio da presunção da inocência, nada se
pode afirmar quanto à adequabilidade do possível candidato.
Pretendemos discutir essa tese.
Um nome pode ajudar. Na verdade vários nomes de um circunspecto senhor: o
primeiro era George, o segundo Frederico, o terceiro Guilherme mas apesar de
seus belos nomes ficou conhecido por seu sobrenome, Hegel.
Falam os filósofos
O Princípio da Correção se transforma, na Sociedade Civil, em Lei –
disse Herr Hegel na página 72 de sua Filosofia do Direito. O Conceito de
Correção é particular e natural – e reside no caroço do sistema filosófico
hegeliano. Metamorfoseia-se em Direito – erga
omnes – que pode ser brandido individualmente por ser a Correção
corporificada.
Celso Antônio Bandeira de Mello
sintetiza o Estado de Direito como um projeto
de contenção do Poder e de proclamação da igualdade de todos os homens (Curso
de Direito Administrativo - p. 48). Instrumentos como o Direito Adquirido e a Coisa
Julgada visam a limitar este Poder, impedindo-o de se intrometer em certas
áreas do direito de cada um.
Da junção do clássico alemão e do
clássico moderno brasileiro decorre que o Direito, incluindo o Direito
Adquirido, protege, obviamente, Direitos – entendidos como bens ou
comportamentos protegidos erga omnes por
lei. Isso constitui a essência do Juris.
Lembremos agora o Cidadão de Genebra: sai o sério
metafísico germânico e entra o folgazão (e inteligentíssimo) Jean-Jacques
Rousseau. Na seção dezessete do capítulo três do seu Contrato Social determina que deve haver um governo – e isto é lei.
Em seguida, o povo nomeia os governantes – e isto não é lei.
Não é erga omnes, não pode ser alegado como Direito – e obviamente não
pode ser protegido como Direito Adquirido. Pertence a um outro domínio, o da Polis – o dos homens (nascidos livres) e
unidos em Contrato para defender a coesão da sociedade e manutenção de seus
Direitos e de sua Liberdade. Daí o nome do clássico livro.
Juris
A tese que discutimos considera
que um cidadão não pode ser esbulhado de seu direito de ser nomeado Ministro do
Tribunal de Contas da União, senão em virtude de sentença transitada em
julgado. Raciocinemos ao inverso: se algo só pode ser retirado em virtude de
sentença judicial, esse algo só pode ser um direito protegido por lei. Mais
importante ainda: trata-se de Direito Adquirido, já que a referida nomeação
ainda não tinha ocorrido.
A origem de tal “direito
adquirido” (sendo aqui importante o uso de aspas) só pode ser a indicação, que
em geral se dá por parte de um parlamentar. Ou seja, segundo a tese em questão,
o ato indicativo é gerador de Direito
Adquirido, no caso, o Direito a ser nomeado Ministro. É o que decorre da
lógica do raciocínio.
Na última nomeação para Ministro
do TCU, três candidatos foram indicados. E obviamente só um foi nomeado. Dois
foram indicados e não foram nomeados, e não cabe ação judicial no sentido de
forçar sua nomeação. Logo, o ato
indicativo NÃO é gerador de direito adquirido.
Polis
A indicação, a negociação, a
sabatina, o debate público – tudo isso não pertence ao domínio do Juris, mas ao da Polis. Este é o domínio não da proteção de direitos mas da definição
de rumos – discutidos pelos cidadãos. E a Polis
de certa forma ultrapassa Juris –
estabelecendo requisitos que vão além do mero direito.
Um exemplo poderá esclarecer.
Digamos que, em dado momento, todos os Ministros do TCU sejam oriundos do mesmo
estado da Federação. Surge uma vaga. Indica-se um substituto – também daquele
estado. Um movimento de cidadãos se insurge contra isso, afirmando que é
necessário que haja um mínimo de equilíbrio federativo na Corte de Contas. Juris nada tem a dizer quanto a isso – a
lei nada estabelece no tocante à naturalidade dos ministros. Mas do ponto de
vista da Polis, tem sentido a
argumentação do suposto movimento.
Pode-se argumentar que, se Juris não exige, a Polis não pode exigir. Isso equivale a dizer que os cidadãos não
têm o direito de discutir os rumos do seu Estado, aí incluídas as nomeações
políticas para cargos importantes. Tal seria a negação do princípio
democrático.
O caminho das Entidades de Classe
Assim, Polis não beija Juris: a discussão política da nomeação de um
candidato a Ministro do TCU se coloca no ramo da Polis, e esta consiste em uma esfera distinta da esfera da Juris.
Não se pode afirmar que esta
tenha sido a tese que iluminou a atitude da AUDITAR em recente episódio de uma
indicação a uma vaga de Ministro do TCU. Os documentos da entidade não permitem
definição.
Mas os ilustres mestres da noção
republicana acima citados nos permitem deixar claro que é plenamente possível lutar, por todos os meios políticos lícitos,
contra a nomeação de um candidato cuja reputação seja maculada por suspeitas de
improbidade.
Confiamos que a AUDITAR, assim
como todas as entidades de classe dos funcionários de todas as Cortes de
Contas, tomem, de agora em diante, posição
firme e sem reservas contra a nomeação de tais candidatos, afirmando isso de
maneira direta e sem subterfúgios.
Hegel, Rousseau e todos os que
fundaram o Princípio Republicano agradecem.